Disseram que eu voltei americanizada
Com o burro do dinheiro, que estou muito rica
Que não suporto mais o breque do pandeiro
E fico arrepiada ouvindo uma cuíca
Foi em setembro de 1940 que Carmen Miranda gravou o famoso samba-choro de Vicente Paiva e Luís Peixoto com que respondia – de forma bem-humorada – às críticas recebidas após o início da carreira nos Estados Unidos, no ano anterior, quando se mudou do Rio para Nova York. Críticas semelhantes às que Pixinguinha já havia recebido 12 anos antes, em 1928, quando lançou dois dos maiores sucessos de sua obra, os choros “Lamentos” e “Carinhoso”, em discos da Parlophon gravados em outubro daquele ano – ambos ainda sem letra, pela Orquestra Típica Pixinguinha-Donga.
O crítico Cruz Cordeiro, da Phono-Arte, torceu o nariz para ambas: sobre “Lamentos”, acusou a “influência das melodias e mesmo dos ritmos da música norte-americana”, embora Pixinguinha fosse considerado por ele um dos “melhores autores da música típica nacional”. Quanto a “Carinhoso”, analisado numa edição posterior da revista, ele foi ainda mais enfático: “Parece que o nosso popular compositor anda sendo influenciado pelos ritmos e melodias da música de jazz. É o que temos notado desde algum tempo e mais uma vez, neste seu choro, cuja introdução é um verdadeiro foxtrote, que, no seu decorrer, apresenta combinações de pura música popular ianque.”
As críticas de Cruz Cordeiro seguiram a mesma linha em 1929, quando outro futuro sucesso de Pixinguinha, o samba “Gavião calçudo” (em parceria com Cícero de Almeida), foi lançado em disco pela Odeon, cantado por Patrício Teixeira com acompanhamento da – sempre ela! – Orquestra Típica Pixinguinha-Donga. “Mais parece um foxtrote do que um samba. As suas melodias, os seus contracantos e mesmo que quase que o seu ritmo, tudo respira a música dos ianques.” Em vez de responder, Pixinguinha seguiu compondo, tocando sua flauta, escrevendo arranjos, liderando seus conjuntos.
Cabe observar que tanto o crítico quanto o criticado estavam plenamente inseridos no contexto da época: Cruz Cordeiro reverberando os anseios e as preocupações nacionalistas do pós-1922; Pixinguinha observando (e possivelmente assimilando em alguma medida) as múltiplas sonoridades em voga no mundo da música – entre elas os gêneros musicais dos Estados Unidos, como o foxtrote e o ragtime, que viviam o apogeu de sua popularidade na própria década de 1920. Nada mais natural que – apesar das expectativas da crítica, de que Pixinguinha se mantivesse integralmente fiel à “típica música nacional” – se aventurasse também por esse gênero.
Pois são justamente desta época dois foxtrotes que integram sua obra de compositor: um deles é “Knock-out”, música até hoje inédita em disco, tendo sido lançada em partitura (pela Casa Carlos Wehrs, com dedicatória ao então diretor do jornal O Globo, Irineu Marinho) provavelmente em 1923, quando a famosa companhia francesa de espetáculos Ba-Ta-Clan esteve no Rio e recrutou os Oito Batutas para se apresentar com ela. O outro fox presente na obra de Pixinguinha é “Palhaço”, também inédito em disco e possivelmente composto para o teatro de revista em 1924.
Completando o trio de composições do chorão em ritmo de gêneros musicais norte-americanos está “One-step”, em cujo título está o nome de uma dança popular nos salões dos Estados Unidos a partir da década de 1910. Pela data anotada na partitura manuscrita de Pixinguinha, encontrada no acervo de Jacob do Bandolim (8-12-1915), trata-se de uma de suas mais antigas composições. Foi incluída no caderno de partituras “Pixinguinha: Inéditas e Redescobertas”, lançado em 2012 pelo Instituto Moreira Salles, tendo sido gravada no mesmo ano, pelo pianista André Mehmari.
Clique aqui para ouvir “One step” por André Mehmari.