Com Tute e Luperce Miranda, Pixinguinha teve seu ‘power trio’ na década de 1930
Por Pedro Paulo Malta
Em 60 anos de gravações (de 1911 a 1971), Pixinguinha frequentou os mais diversos estúdios em ótimas companhias: acompanhando Francisco Alves, Carmen Miranda e Orlando Silva (entre outras grandes vozes de seu tempo) ou como integrante de conjuntos emblemáticos como os Oito Batutas, os Diabos do Céu e o Grupo da Guarda Velha. Menos comentado, mas igualmente emblemático, foi o trio que ele formou – como flautista – com outros músicos referenciais em seus instrumentos: o bandolinista Luperce Miranda e o violonista Arthur de Souza Nascimento, vulgo Tute, um dos pioneiros do violão de sete cordas no Brasil.
Uma trinca de craques que, no entanto, se reuniu para um único disco: o 78 rotações da Odeon gravado no dia 19 de junho de 1934 e lançado em março de 35, com o número de 11.204. Em ambas as faces estão primeiras gravações de composições de Pixinguinha: no lado A, a valsa “Iolanda”, e no B, o choro “Recordando”. No verbete deste último há uma curiosidade: entre as partituras manuscritas encontradas, há duas com o título de “Teu aniversário”, nome com que a música foi gravada por Jacob do Bandolim (disco RCA Victor 80-0688-B, lançado em 1950).
Na segunda metade da década de 1930, Tute e Luperce Miranda tocaram com Pixinguinha – e mais Valeriano (violão) e João da Bahiana (pandeiro) – num regional na Rádio Mayrink Veiga que inspirou a composição do choro “Os cinco companheiros”. A primeira gravação foi feita em junho de 1940 e lançada em maio de 42, pela Odeon, com um trio de flautistas em que o autor da música é o único identificado.
Carioca nascido em 1886, Tute é considerado o introdutor do violão de sete cordas no choro, sendo também a principal referência de seu sucessor, Horondino Silva (o Dino Sete Cordas), grande nome do instrumento na segunda metade do século 20. Tute é um dos músicos de destaque no livro “O choro: reminiscências dos chorões antigos” (1936), no qual o autor, Alexandre Gonçalves Pinto (vulgo Animal), informa que o violão não era seu único instrumento: “Bem poucos chorões, haverá, que não conheçam o bom Tute, violão e bandolim sublime! No acompanhamento é de admirar em qualquer dos dois instrumentos. No solo? Nem se fala! Deixa apreciadores bambos das pernas tal a maneira do manejo nesses dois instrumentos. É reformado hoje do Corpo de Bombeiros, e lá no seu bandolim e violão deixava todos extasiados independente da sua fina educação.”
Tute também foi personagem decisivo no início da carreira de Pixinguinha, pois foi quem o indicou para substituir o flautista Antônio Maria Passos na orquestra do espetáculo “Morreu o Neves!” (escrita por Raul Pederneiras e Luiz Peixoto), em cartaz no Teatro Rio Branco, no Centro do Rio. Isso em 1911, quando Pixinguinha tinha apenas 14 anos e já trabalhava como músico na noite – ocasião em que foi visto por Tute. Na década seguinte, o violonista e o flautista se reuniram – juntamente com Nelson Alves – no conjunto que acompanhou Francisco Alves em discos da fase inicial de sua carreira, em 1927 e 28. Até seu falecimento, em 1951 (e não em 57, como informado em diversas fontes), Tute atuou como músico em gravações e programas de rádio liderados por Pixinguinha.
Já o bandolinista Luperce Miranda, recifense nascido em 1904, trocou Pernambuco pelo Rio de Janeiro na segunda metade da década de 1920. Com o conjunto Voz do Sertão, realizou a primeira gravação (em agosto de 1928), na mesma sessão em que fez sua estreia fonográfica como compositor, com o fox “Primoroso”, na Odeon. Seu primeiro disco solo, lançado pela Victor em junho de 1934, trouxe no lado A o clássico “Carinhoso” (de Pixinguinha, ainda sem a letra de João de Barro), aqui gravado pela terceira vez – as duas primeiras foram feitas pela Orquestra Típica Pixinguinha-Donga (em 1928) e a segunda pela Orquestra Victor Brasileira (1929). No segundo disco solo de Luperce, lançado em setembro de 1934, também pela Victor, saiu a primeira gravação de outro clássico de Pixinguinha: o choro “Naquele tempo”.
Falecido em 1977, é um dos grandes solistas da história do choro, além de ser um dos nomes referenciais – assim como Jacob – da escola brasileira de bandolim. Com seu regional, acompanhou na década de 1930 grandes nomes do rádio, como Noel Rosa, Carmen Miranda, Mário Reis e Francisco Alves.