Post escrito pelo autor da pesquisa, Alexandre Dias, especialmente para este site, em fevereiro de 2018. Não foi publicado porque nosso “blog” ainda não havia sido ativado. Vai agora, com nossas desculpas.

Os registros de nascimento de Pixinguinha e de seus irmãos

Em 2013, Georges Mirault me enviou cópias de dois documentos que seu pai, o grande musicólogo e pianista Aloysio de Alencar Pinto, havia levantado.

O primeiro era uma cópia da conhecida certidão de batismo de Pixinguinha, que Jacob do Bandolim já havia encontrado em 1968 na Igreja de Santana, e que permitiu corrigir o ano de nascimento de Pixinguinha de 1898 para 1897 (a cópia de Aloysio é um documento ligeiramente diferente, sendo uma declaração produzida em 1997 pelo Arquivo da Cúria Metropolitana do Rio de Janeiro).

O segundo documento era uma instigante certidão de casamento entre um certo Alfredo da Rocha Vianna e uma certa Maria Rodrigues Lagares, que se uniram em 12/06/1900. “Alfredo da Rocha Vianna” era o nome do pai de Pixinguinha, mas o nome de sua mãe era Raymunda Maria da Conceição. As informações, portanto, não batem, já que os pais de Pixinguinha estavam juntos desde pelo menos 1888 (data do nascimento do primeiro filho, Octavio) até no mínimo 1906 (data do nascimento da última filha, Jandyra). É muito provável que se tratasse de um homônimo.

Aloysio possivelmente estava buscando por algum documento inédito relativo a Pixinguinha (seu registro de nascimento jamais fora encontrado), mas chegou a uma espécie de beco sem saída com este documento.

Porém este mesmo documento acabou funcionando como uma espécie de semente latente, que viria a ter vários desdobramentos anos depois.

Em 2016, iniciei uma pesquisa para entender um pouco mais sobre este misterioso casal da certidão. Acabei caindo no site FamilySearch.org, criado pela Sociedade Genealógica de Utah (fundada em 1894), e mantido pela Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, da religião Mórmon. Este é um dos maiores projetos do mundo para se produzir árvores genealógicas, e já conta com mais de 4 bilhões de registros, digitalizados a partir de inúmeros livros de cartórios, igrejas, e listas de passageiros de navios, de diversos países.

O site conta com um exército de voluntários distribuídos por todo o mundo, que os ajuda a transcrever e indexar os nomes presentes em cada uma das páginas dos livros de registros já digitalizados (a grande maioria dos livros está escrita à mão, o que torna o serviço mais difícil). Saiba mais sobre o projeto neste link.

Para o Brasil, o site já disponibiliza alguns milhões de nomes indexados, e, especificamente para o Rio de Janeiro, há registros de nascimentos a partir de 1889, para cartórios de 13 circunscrições da cidade, porém a maior parte ainda não foi indexada – isto é, é necessário percorrer-se manualmente cada página, literalmente folheando-se cada livro de registros, porém agora é possível fazer isto em qualquer lugar, até mesmo a partir do celular.

Por uma grande sorte, o site já havia indexado a certidão do misterioso casal Vianna/Lagares, o que nos permitiu ver a assinatura do referido Alfredo da Rocha Vianna:

Tornava-se então necessário buscar outro documento que inequivocamente fosse do pai de Pixinguinha, para que pudéssemos comparar as assinaturas.

Para nossa satisfação, buscando pelo sobrenome “Rocha Vianna”, apareceram seis registros ligados à família de Pixinguinha:

– Registro de nascimento de Leo da Rocha Vianna (31/05/1889)

– Registro de nascimento de Henrique da Rocha Vianna (08/03/1891)

– Registro de nascimento de Cristodolina [da Rocha Vianna] (16/05/1895)

– Registro do nascimento de Alfredo [da Rocha Vianna] Filho (04/05/1897)

– Registro de nascimento de Oscar [da Rocha Vianna] (09/07/1899).

– Registro de casamento de Octavio Littleton da Rocha Vianna (22/08/1907)

O quarto nome da lista trata-se de ninguém menos que o próprio Pixinguinha! Ou seja, aparecia seu registro de nascimento, que ainda não constava em nenhuma bibliografia. Seria difícil encontrá-lo diretamente pela busca do site, pois ele aparece indexado erroneamente como “Alfredo Da Conceição Vianna”, isto é, com um sobrenome atribuído a partir da junção dos sobrenomes da mãe e do pai.

As folhas originais do livro do cartório da 3ª Circunscrição do Rio de Janeiro, que contêm o registro de nascimento de Pixinguinha, podem ser acessadas neste link.

Para nossa surpresa, a data de nascimento de Pixinguinha aparece como 4 de maio de 1897, e não 23 de abril (data já consagrada como aniversário de Pixinguinha, e oficializada como Dia Nacional do Choro desde 2000).

A notícia foi divulgada em uma matéria publicada nO Globo em 29/11/2016 por Mariana Filgueiras: “IMS revela documentos sobre Pixinguinha com choros inéditos e nova data de nascimento”.

Em todos os registros citados acima, consta a assinatura do pai de Pixinguinha, o que nos permitiu concluir que o Alfredo da Rocha Vianna do misterioso registro de casamento mencionado no início do texto tratava-se de um homônimo (nome e sobrenome iguais). Veja a comparação abaixo:

Assinatura de Alfredo da Rocha Vianna (pai de Pixinguinha)

Assinatura de Alfredo da Rocha Vianna (homônimo do pai de Pixinguinha)

Além da surpreendente diferença no dia e mês de nascimento de Pixinguinha, outras informações saltaram à vista neste primeiro momento. O nome de sua mãe aparece ora como Raymunda Maria da Silva, ora como Raymunda Maria da Conceição. E o nome de sua avó materna, mãe de D. Raymunda, aparece sempre como Eduwiges Maria da Conceição (constante na literatura como “Edwirges”).

Os pais de Pixinguinha não eram casados (ambos são mencionados como solteiros) – sendo que D. Raymunda é mencionada ora como “companheira” ora como “agregada”. Ela tinha 33 anos quando Pixinguinha nasceu, portanto teria nascido em 1865 ou 1866. Porém, no registro de outro irmão do Pixinguinha, sua idade aparece diferente, com o ano de nascimento caindo em torno de 1868.

Já o pai do Pixinguinha nasceu em 1865, ou em um ano adjacente, com base na idade informada em outros registros. Em um dos registros, sua profissão aparece como serralheiro.

É interessante notar que no registro não consta o nome completo de Pixinguinha. Ele aparece apenas como “Alfredo, filho natural do declarante”. Portanto infere-se o sobrenome “da Rocha Vianna” (filho). Outra curiosidade é que, de todos os irmãos cujos registros foram encontrados, Pixinguinha é o único que recebeu uma descrição com relação a sua cor: “uma criança do sexo masculino, de cor preta”.

 

Seguem abaixo as transcrições que realizamos dos textos completos presentes no registro de nascimento de Pixinguinha e nos registros de seus irmãos:

“Aos sete dias do mês de maio de mil oitocentos e noventa e sete, nesta Capital e Cartório, compareceu Alfredo da Rocha Vianna, morador à rua do Paraíso quinze, e por ele foi dito que em sua casa no dia quatro do corrente às nove horas da manhã Raymunda Maria da Conceição, natural da Capital Federal, de trinta e três anos, solteira, filha de Eduwiges Maria da Conceição, deu à luz a uma criança do sexo masculino, de cor preta, que tomou o nome Alfredo, filho natural do declarante. E de tudo para constar lavro este termo que, depois de lido, assina o declarante com o escrivão e as testemunhas Bernardino Gomes Ribeiro, brasileiro, solteiro, artista, morador à Travessa Dona Elisa, dezoito e Francisco da Rocha Vieira, brasileiro, solteiro, artista, morador à rua Bom Jardim, nove. Eu, Manuel Joaquim da Silva Junior escrivão subscrevi.”

[4 assinaturas]

 

Transcrição do registro de nascimento de Cristodolina [da Rocha Vianna]:

“Aos dezessete dias do mês de maio de mil oitocentos e noventa e cinco, nesta Capital Federal e Cartório da Quinta Pretoria, compareceu Alfredo da Rocha Vianna, morador à rua Cavalcanti, na Piedade, e por ele foi dito perante as duas testemunhas abaixo nomeadas e assinadas que na casa da rua do Paraíso número vinte e um, ontem à uma hora da manhã sua companheira Raymunda Maria da Silva, natural desta Capital, de vinte e sete anos de idade, solteira, filha de Eduwiges Maria da Conceição, deu à luz uma criança do sexo feminino, que tomou o nome Christodolina. E para constar fiz constar digo lavrar este termo que depois de lido, assina o declarante comigo escrivão e as testemunhas Bernardino Gomes Ribeiro, brasileiro, solteiro, morador à rua Visconde de Sapucahy trinta e três, João Furtado de Faria, brasileiro, solteiro, morador à rua Paraíso número treze. Eu, ”

[3 assinaturas, sem a do escrivão]

 

Transcrição do registro de nascimento de Henrique da Rocha Vianna:

“Aos dezoito dias do mês de março de mil oitocentos e noventa e um nesta Capital Federal, Freguesia de Santo Antonio em meu Cartório perante mim escrivão [ilegível] oficial de Registro Civil compareceu Alfredo da Rocha Vianna, natural desta Capital de vinte e seis anos de idade, solteiro, serralheiro, morador à rua Paraíso número onze e perante as duas testemunhas abaixo nomeadas e assinadas [relatou-me?] que em sua residência sua agregada Maria da Silva, natural desta Capital, de vinte e seis anos de idade, solteira, de ocupação doméstica, filha de Eduwiges Maria da Conceição, no dia oito do corrente mês às cinco e meia horas da manhã lá deu à luz uma criança do sexo masculino que tomou o nome de Henrique da Rocha Vianna. Pelo declarante foi dito que sua agregada e ele são solteiros, que a referida criança é seu filho natural sendo que tem mais dois filhos com a mesma sua agregada. E de tudo para constar lavrei o presente termo que depois de lido assina o declarante comigo o escrivão de Paz e as testemunhas Luiz Otto Bergman, brasileiro, artista, morador à rua [ilegível] número oitenta e três e Francisco José Ferreira de Araujo natural de Portugal, proprietário morador à rua do Senado número duzentos e vinte e quatro. Eu, Manuel Joaquim da Silva Junior escrivão escrevi”.

[4 assinaturas]

“Em tempo, declaro que o nome da mãe da criança é Raymunda Maria da Silva. Eu, Manuel Joaquim da Silva Junior escrivão escrevi”.

[2 assinaturas]

 

Transcrição do registro de nascimento de Leo da Rocha Vianna:

“Ao primeiro dia do mês de Junho de mil oitocentos e oitenta e nove, nesta Corte do Rio de Janeiro, Freguesia de Santo Amaro em meu Cartório perante mim oficial do Registro Civil, compareceu Alfredo da Rocha Vianna, natural desta Corte, de vinte [e um?] anos de idade, solteiro, morador à rua do Paraíso número onze e perante as duas testemunhas abaixo nomeadas e assinadas declarou-me que em sua residência acima declarada ontem, trinta e um de maio às duas horas e vinte minutos da manhã nasceu uma criança do sexo masculino, seu filho natural, que teve com Raymunda Maria da Silva, natural desta Corte de vinte e quatro anos de idade, solteira, filha [de] Eduwiges Maria da Conceição moradora nesta Corte e que a criança tomou o nome de Leo da Rocha Vianna. Pelo declarante foi dito que da mesma Senhora tem mais um filho de nome Otavio de dois anos de idade batizado na Matriz desta freguesia. Eu, Manuel Joaquim da Silva Junior escrivão escrevi.

Em tempo, testemunhas presentes Mamede José Correia, operário do Telégrafo, morador à rua de [Santo?] Alfredo número dezoito e Filippe da Rocha Vianna, ferreiro, morador à rua do Paraíso número onze, comigo escrivão de Paz Eu, Manuel Joaquim da Silva Junior escrivão que escreveu. Assinam este termo que lavrei:”

[4 assinaturas]

 

Transcrição do registro de nascimento de Oscar [da Rocha Vianna]:

“Aos onze dias de julho de mil oitocentos e noventa e nove, nesta Capital e Cartório, compareceu Alfredo da Rocha Vianna, brasileiro, morador à rua do Paraíso número quinze, e por ele me foi dito perante as duas testemunhas abaixo nomeadas e assinadas que em sua casa, às nove horas da noite de nove do corrente, sua companheira Raymunda Maria da Conceição, natural desta Capital, de trinta e quatro anos de idade, solteira, filha de Eduwiges Maria da Conceição dera à luz a uma criança de cor morena e do sexo masculino que tomou o nome Oscar, filho natural do declarante. E, de tudo para constar, lavro este termo que, lido, assina o declarante com o Escrivão e as testemunhas Antonio Maria dos Reis, brasileiro, casado e morador à Travessa do Senado dezoito, e João Furtado de Faria, brasileiro, casado e morador à rua Leoni de Almeida, seis. Eu, [sem nome do escrivão]”

[3 assinaturas]

 

Ampliando as buscas, procurando diretamente nas imagens digitalizadas das páginas dos livros de registro, e tomando por base as datas já conhecidas, encontramos mais alguns documentos:

 

Transcrição do registro de nascimento de Edith [da Rocha Vianna]:

“Aos dias quinze do mês de março de mil oitocentos e noventa e três nesta Capital Federal em meu cartório compareceu Alfredo da Rocha Vianna, solteiro, morador à rua Paraíso treze e por ele me foi dito que em sua casa no dia treze do corrente, às sete horas da noite Raymunda Maria da Silva natural desta Capital, de vinte e oito anos de idade, solteira, filha de Eduwiges Maria da Conceição, deu à luz a uma criança do sexo feminino que tomou o nome de Edith, que é sua filha natural. E de como o disse assina com as testemunhas José Jacintho Avêna, artista, morador à rua Emilia Guimarães número vinte e seis, e João Furtado de Faria, artista morador à rua do Paraíso quinze. Eu, Flavio Saraiva de Carvalho escrevi”.

[3 assinaturas]

 

Transcrição do registro de nascimento de Hermengarda [da Rocha Vianna]:

“Aos dezessete dias de setembro de mil novecentos em Cartório, compareceu Alfredo da Rocha Vianna, brasileiro, solteiro, morador à rua do Paraíso quinze, e por ele foi dito perante as duas testemunhas abaixo assinadas que em sua casa, às três horas da manhã de quatorze do corrente, Raymunda Maria da Silva, natural desta capital, com trinta e três anos de idade, solteira, filha de Eduwiges Maria da Conceição, dera à luz uma criança de cor morena do sexo feminino e que tomou o nome Hermengarda, filha natural do declarante. E para constar lavro este termo que, lido, assina o declarante com o escrivão e as testemunhas Antonio Maria dos Reis, brasileiro, casado e morador à Travessa do Senado, dezoito, e Manoel José Gonçalves, brasileiro, casado e morador à rua do Hospício duzentos e quarenta e um. Eu, Eugenio Renato de Campos o escrevi. Eu,”

[3 assinaturas]

 

Transcrição do registro de casamento de Leo da Rocha Vianna e Arminda de Carvalho:

“Aos nove dias do mês de Julho de mil novecentos e dez, nesta Cidade em a sala das audiências do Juízo da Segunda Pretoria, onde se achou o Juiz Doutor Leopoldo Augusto de Lima, comigo escrevente juramentado, às doze horas do dia, aí em presença das testemunhas Arnaldo Alves Ferreira e João Francisco Lisbôa, receberam-se em matrimônio, sob o regime de comunhão de bens, Léo da Rocha Vianna e Arminda de Carvalho: Ele natural da Capital Federal, de vinte e um anos de idade, solteiro, empregado público, filho natural de Alfredo da Rocha Vianna e Raymunda Maria da Rocha Vianna, residente à rua Uruguayana número cento e [dezessete?]; Ela natural da Capital Federal, solteira, de dezenove anos de idade, filha natural de Annibal José Gomes de Carvalho e Maria Luiza da Silva, residente à rua da Prainha número trinta e seis. Declaram no ato de casamento não serem parentes e nem existir entre ambos impedimento algum que os iniba de se casarem. E para constar lavrei este termo que assinam todos com o juiz. Eu, Antonio Joaquim de Andrade Bastos, escrevente juramentado o escrevi. Eu, João Augusto Ribeiro de Almeida, Escrivão, subscrevi.”

[6 assinaturas]

No registro acima, o grande compositor Irineu de Almeida, amigo da família, deixou sua assinatura como um dos padrinhos:

 

Transcrição do registro de casamento de Octavio Littleton da Rocha Vianna (apelidado de China) e Noemia Teixeira de Sá:

“Aos vinte e dois dias do mês de Agosto de mil novecentos e sete, nesta Cidade e Capital Federal, à uma hora da tarde na sala das audiências desta Oitava Pretoria, presentes o Doutor Luiz Augusto de Carvalho e Mello, juiz, comigo Escrivão do seu cargo adiante declarado e as testemunhas José [Belliose?] Couteiro, de vinte e quatro anos de idade, tipógrafo e morador à rua do Coqueiro número oitenta e cinco e Capitão Mathias Pereira da Silva Guimarães, de trinta e nove anos de idade, empregado público e morador à rua do General Pedra número duzentos e sessenta e nove, receberam-se em matrimônio Octavio Littleton da Rocha Vianna, filho natural de Alfredo da Rocha Vianna e Raymunda de [Oliveira?], solteiro, de dezenove anos de idade, natural desta Capital, funcionário público e residente à rua Senador Eusebio número duzentos e quatro, com Noemia Teixeira de Sá, filha legítima de José Manuel de Sá Junior e Dona Eugenia Maria de Sá, solteira, de dezenove anos de idade, natural desta Capital e residente à mesma rua e número acima. Em firmeza do que lavrei este ato que vai assinado por todos. Eu, Manuel Joaquim Corrêa de Menezes, Escrivão, o escrevi e assino.”

[6 assinaturas]

 

Foi encontrado, portanto, um total de sete registros de nascimento de filhos do casal Alfredo/Raymunda, e dois registros de casamento de seus filhos.

Não foi encontrado o registro de nascimento de Octavio, primeiro filho do casal, pois ele nasceu em 1888, um ano antes da data em que começam os registros para o Rio de Janeiro, no site FamilySearch.org . Também não encontramos os registros de Jandyra (nascida em 1906), e de Hermínia (cuja data de nascimento é desconhecida). Estes registros podem estar presentes nos livros dos cartórios de outras circunscrições, embora todos os registros que encontramos sejam da 3ª circunscrição.

Além das informações novas mencionadas no início do texto, também pudemos constatar que o sobrenome de Octavio (China) era Littleton, e não Liplecpon, como consta na bibliografia; Pixinguinha não era o filho homem caçula, pois depois dele nasceu Oscar (1899), que provavelmente era o irmão que Pixinguinha afirmava ter falecido jovem, e cujo nome não se lembrava; o nome de uma de suas irmãs era Hermengarda, e não Hemengarda, e esta nasceu em 14/09/1900, e não em 10/09/1900. Além disso, a data de nascimento de Edith é 13/03/1893, e não 12/03/1893.

No entanto, talvez a informação mais instigante que se pode extrair do registro de nascimento de Pixinguinha seja o local exato em que nasceu: Rua do Paraíso, 15. Buscando no Almanak Laemmert por endereços localizados nesta rua no final do século XIX, tornou-se claro que se tratava da rua presente no Morro Paula de Mattos, hoje parte do bairro Santa Teresa. Portanto, Pixinguinha nasceu em Santa Teresa, e não exatamente em Catumbi, onde a família viria a residir alguns anos depois.

No mapa abaixo, datado de 1867, é possível ver a Rua do Paraíso, como parte do Morro Paula de Mattos:

No mapa abaixo, do Google maps, é possível ver a exata mesma rua hoje, que mantém o mesmo nome (notar que é paralela à Rua Paula de Mattos, e é cruzada pela Ladeira Frei Orlando, antigamente chamada de Ladeira do Senado).

Ou seja, pode ser que a casa em que Pixinguinha nasceu ainda exista. É necessário averiguar se a numeração das casas continua a mesma.

 

Aliás, com base nestes registros, é possível traçar uma pequena cronologia das residências da família Rocha Vianna:

1889: Rua do Paraíso, 11

1891: Rua do Paraíso, 11

1893: Rua do Paraíso, 13

1895: Rua Cavalcanti (número não informado), no bairro Piedade

1897: Rua do Paraíso, 15

1899: Rua do Paraíso, 15

1900: Rua do Paraíso, 15

Nota-se que, ao longo de 11 anos, a família residiu em um total de três casas vizinhas na Rua do Paraíso, havendo um breve período em que residiram no distante bairro de Piedade. Aliás, no depoimento que Pixinguinha deu ao Museu da Imagem e do Som em 1966, ele afirma que suas irmãs disseram que ele nascera em Piedade, mas hoje sabemos que esta informação não procede.

 

Ao preparar este texto, encontramos um texto intitulado “A primeira certidão de nascimento de Pixinguinha”, escrito por Guilherme Serra Alves Pereira, e publicado em 03/02/2011 no site Jornal GGN, do jornalista Luis Nassif. https://jornalggn.com.br/blog/luisnassif/a-primeira-certidao-de-nascimento-de-pixinguinha

A imagem do documento original não é divulgada, mas o texto foi transcrito na íntegra. Surpreendentemente, essa notícia não teve repercussão na época, e a informação permaneceu largamente desconhecida. Guilherme levanta uma hipótese interessante: “Acredito mais no nascimento em 23 abril 1897. O pai deve ter falseado a data de 4 de maio para fugir da multa”.

Esta hipótese parece-nos pouco provável, pois, entre o dia 23 de abril e 7 de maio (data em que o pai de Pixinguinha foi ao cartório fazer o registro), passaram-se apenas 14 dias, ou seja, ainda estaria dentro do prazo de 15 dias, estipulado pela lei vigente nos dias de hoje, como veremos a seguir.

No capítulo IV, Art. 51, da lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, consta o seguinte:

“Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro no cartório do lugar em que tiver ocorrido o parto, dentro de quinze (15) dias, ampliando-se até três (3) meses para os lugares distantes mais de trinta (30) quilômetros da sede do cartório”.

Mas será que esta multa já existia em 1897?

Continuando a busca, encontramos o decreto Nº 4.857 de 9 de novembro de 1939, que já apresentava a multa em seu capítulo IV, Art. 63:

“Todo nascimento que ocorrer no território nacional deverá ser dado a registro no cartório do lugar em que tiver ocorrido o parto, dentro de 15 dias, ampliando-se até 3 meses para os lugares distantes da sede dos cartórios mais de 30 quilômetros e sem comunicações ferroviárias”.

Por fim, chegamos ao Decreto nº 4.827 de fevereiro de 1924, que “reorganiza os registros públicos instituídos pelo Código Civil”, referindo-se ao primeiro Código Civil brasileiro, de 1916. Em nenhum destes dois documentos há menção a multa a ser paga por atraso no registro do nascimento do filho. Antes de 1916, estavam vigentes no Brasil as Ordenações Filipinas, uma compilação jurídica vigente em Portugal desde o século XVII, onde também não encontramos referência a multa por atraso no registro do nascimento dos filhos.

Portanto, podemos afirmar que tal multa dos 15 dias existe desde 1939 e que ainda não foram encontrados documentos que demonstrem a existência de legislação semelhante no ano em que Pixinguinha nasceu. Além disso, passaram-se apenas 14 dias entre o 23 de abril e a data em que o pai de Pixinguinha compareceu ao cartório, reforçando a veracidade da data declarada, 4 de maio de 1897.

Alexandre Dias

Brasilia, 23 de fevereiro de 2018