VINICIUS DE MORAES (Marcus Vinicius da Cruz de Mello Moraes) – Rio de Janeiro RJ – 19/10/1913 – Rio de Janeiro RJ – 09/07/1980
Poeta, diplomata, compositor, cantor, cronista, dramaturgo, crítico de cinema... E um dos grandes letristas da música popular brasileira – atividade na qual estreou no início da década de 1930, fazendo os versos de dois foxes em parceria com Haroldo Tapajós: Loura ou morena e Doce ilusão, ambos gravados por Haroldo e Paulo Tapajós em 1932, pela Columbia. Aventuras iniciais do letrista que surgirá de fato nos anos 50, quando já está estabelecido como poeta e diplomata e escreve letras sistematicamente, inicialmente para músicas de Tom Jobim – parceria iniciada com a peça Orfeu da Conceição, escrita por Vinicius e encenada em 1956. É aqui que começa a construir a obra pela qual será reconhecido como um dos formatadores da letra na música brasileira na segunda metade do século 20, com sucessos como Chega de saudade, Garota de Ipanema (ambos com Tom), Berimbau (com Baden Powell), Marcha da Quarta-feira de Cinzas (com Carlos Lyra) e Carta ao Tom 74 (com Toquinho), entre muitos outros.
A parceria de Vinicius com Pixinguinha se dá por ocasião do longa-metragem Sol sobre a lama, produzido em 1963, com direção de Alex Viany. A direção musical e a composição das músicas do filme (16 no total) são de Pixinguinha, sendo que cinco delas receberam letras do poeta: Iemanjá, Mundo melhor, Samba fúnebre, Seule (que originalmente se chamava Olhos sonhadores e tinha letra de Uriel Lourival) e Lamento (com letra feita para o choro instrumental Lamentos, gravado pela primeira vez em 1928). Esta última música se tornaria o maior sucesso da parceria, tendo recebido a primeira gravação comercial em 1966, pelo conjunto MPB-4.
O início da amizade com Pixinguinha foi um dos temas abordados por Vinicius em entrevista com Fernando Faro para o programa MPB Especial, da TV Cultura: “Nós ficamos amigos desde que eu, em 1951 ou 52... Eu estava planejando uma série de reportagens para a Manchete, com compositores brasileiros, que eu pretendia depois transformar num livro, e fui entrevistá-lo lá em sua casa de Ramos. E então, ele marcou comigo o encontro no boteco da esquina... Da ruazinha lá, que tinha o nome dele, aliás”, relembra o poeta. “Aí, eu cheguei lá e... Eu era metido meio a beber, né? Tinha minhas pancas, assim. Mas cheguei lá, o bicho mandou abrir um litro de cachaça. Eu tomei cinco doses e ele liquidou o resto. E eu fiquei de porrinho e ele ficou perfeito”, conta Vinicius, antes de dizer que o músico ainda beberia vinho, cerveja e traçados até o fim da tarde.
Para Vinicius, tornar-se parceiro de Pixinguinha era um marco em sua carreira, tamanha a admiração que tinha por ele, sobre o qual dizia, segundo seu biógrafo, José Castello: “Nenhum lorde inglês o supera em finura e lordeza”. O documentário Nós somos um poema, de Beth Formaggini e Sergio Sbragia, traz a admiração na voz do próprio Vinicius, num depoimento em 1973: “Pixinguinha pra mim continua sendo o maior de todos os músicos populares brasileiros. Meu querido pai, com quem eu tive o privilégio de fazer música”. No mesmo documentário, a atriz Gesse Gessy, que atuou no filme, também fala sobre a felicidade de Vinicius sobre a oportunidade de compor com o chorão: “Foi uma coisa dos deuses pra ele, era uma realização. Nenhum casamento valeu tanto dentro da alma do Vinicius como essa parceria com o Pixinguinha”.
A obra de Vinicius traz provas dessa admiração, como a inclusão do nome de Pixinguinha entre os motivos que ele lista em um poema de 1962, dedicado “a um americano simpático, extrovertido e podre de rico” que não entendia como o poeta estava disposto a trocar mais um ano de serviço na Califórnia pela volta ao Brasil:
“Me diga sinceramente uma coisa, Mr. Buster:
O Sr. sabe lá o que é um choro de Pixinguinha?
O Sr. sabe lá o que é ter uma jabuticabeira no quintal?
O Sr. sabe lá o que é torcer pelo Botafogo?”
Outra homenagem a Pixinguinha é feita no Samba da bênção (parceria com Baden Powell gravada pela primeira vez em 1966), no qual Vinicius diz:
“A bênção, Pixinguinha
Tu que choraste na flauta
Todas as minhas mágoas de amor”
Já na crônica “MPB-Zero (A propósito do IV Festival Internacional)” (Jornal do Brasil, 05/10/1969), na qual Vinicius de Moraes escreve sobre a geração de músicos surgida nos anos 60, o elo dos novos compositores com a velha guarda é feito através de Pixinguinha:
“Nada disso, é claro, poderia ter existido se há cinquenta e poucos anos, um crioulinho chamado Alfredo da Rocha Vianna, frequentador assíduo do terreiro da velha tia Ciata – ali onde ficava a antiga Praça Onze – não se misturasse ao baiano que batucava no primitivo Mercado, e que depois partiu para organizar os primeiros ranchos de carnaval: o grande Pixinguinha, o genial chorão. E é dessas raízes fundamentais que a meninada dos dois últimos festivais parece andar querendo se arrancar. Que esperança!”.
Já em 1971, a homenagem ao amigo e parceiro veio na forma de um choro-canção (em parceria com Toquinho) gravado por ele: Chorando pra Pixinguinha, retrato musical em dez versos.
“Meu velho amigo
Chorão primeiro
Tão Rio Antigo
Tão brasileiro
Teu companheiro
Chora contigo
Toda a dor de ter vivido
O que não volta nunca mais
E na emoção deste chorinho carinhoso
Te pede uma bênção de amor e de paz”