MÁRIO DE ANDRADE (Mário Raul Moraes de Andrade) – São Paulo SP - 09/10/1893 - São Paulo SP - 25/02/1945
Um dos protagonistas da Semana de Arte Moderna, em 1922, Mário de Andrade foi um dos principais pensadores do Brasil e da cultura brasileira, tanto através de suas pesquisas incansáveis quanto por meio das obras que publicou, como o livro de poemas Pauliceia desvairada (1922) e os romances Amar, verbo intransitivo (1927) e Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (1928).
Pois foi justamente no período em que trabalhava neste último livro que sua trajetória se cruzou com a de Pixinguinha, que atuava como diretor musical, arranjador e músico do espetáculo Tudo preto, produção da Companhia Negra de Revistas que, após temporada de sucesso no Rio, estreou em São Paulo em outubro de 1926. Sabendo do conhecimento de Pixinguinha sobre os rituais religiosos afro-brasileiros, Mário procurou-o a fim de entrevistá-lo para compor o ambiente de terreiro em que se passa o capítulo 7 de Macunaíma, intitulado Macumba.
Além da descrição do ritual, farta em imagens, o próprio Pixinguinha entra na história, como um “negrão filho de Ogum” e “bexiguento”. A descrição é rica em detalhes, como se pode ler no sexto parágrafo: “Então a macumba principiou de deveras se fazendo um çairê pra saudar os santos. E era assim: na ponta vinha o ogã tocador de atabaque, um negrão filho de Ogum, bexiguento e fadista de profissão, se chamando Olelê Rui Barbosa. Tabaque mexiamexia acertado num ritmo que manejou toda a procissão. E as velas jogaram, nas paredes de papel com florzinhas, sombras tremendo vagarentas, feito assombração. Atrás do ogã vinha Tia Ciata quase sem mexer, só beiços puxando a reza monótona. E então seguiam advogados, taifeiros, curandeiros, poetas, o herói, gatunos, portugas, senadores... Todas essas gentes dançando e cantando a resposta da reza. E era assim: – Va-mo-sa-ra-vá!”.
Além da atuação como informante para a elaboração do clássico Macunaíma, o nome de Pixinguinha tem interseção com o de Mário de Andrade nas impressões do escritor/pesquisador sobre as gravações e arranjos do músico. Essas impressões, anotadas a mão, geralmente nos invólucros de papel pardo que envolviam os discos de 78 rotações, seriam compiladas no livro A música popular brasileira na vitrola de Mário de Andrade, editado em 2004 pelo Sesc de São Paulo com organização da professora Flávia Camargo Toni, pesquisadora e docente do Instituto de Estudos Brasileiros da USP.
Lá estão, por exemplo, comentários de Mário sobre um disco de 1931 no qual ele ressalta a riqueza da nomenclatura dos gêneros musicais, como o “samba do partido alto” (caso de Ha Hu Laô, de Pixinguinha, Donga e João da Bahiana) e a “chula raiada” (caso de Patrão, prenda seu gado, do mesmo trio), este qualificado por Mário como “uma obra prima”, com “certo ar de samba rural”. Nas notas sobre Xou curinga (composição de João Bahiana gravada em 1932, com arranjo de Pixinguinha), Mário escreve que se trata de um “Mi maior completo”, uma “delícia de orquestração” e que “o tema parece influenciado”. Já nas observações sobre o choro Urubatã (composição de Pixinguinha gravada em 1929), o ilustre ouvinte classifica Pixinguinha como um “macumbeiro contumaz carioca, denominando uma obra sua com um nome de catimbó”.
Notas sobre Pixinguinha que, juntamente com as impressões de Mário de Andrade sobre tantos outros compositores, arranjadores e músicos brasileiros, espelham o olhar atento e curioso deste que é considerado o pai da pesquisa musical no Brasil.