GRUPO DA GUARDA VELHA (1931-1933)
O Grupo da Guarda Velha representa uma guinada na carreira de Pixinguinha como arranjador: deixando para trás as orquestrações típicas de maxixe da década anterior, este será o primeiro grupo com o qual Pixinguinha fará arranjos musicais para os “novos” compositores de samba da cidade, como Ary Barroso, João de Barro e Lamartine Babo, e do Estácio, como Ismael Silva e Bucy Moreira. Será também o conjunto que consagrará Pixinguinha como grande arranjador do carnaval carioca, com os clássicos O teu cabelo não nega (de Lamartine Babo e Irmãos Valença) e Linda morena (de Lamartine Babo).
O grupo estreia em 27 de outubro de 1931, com o lançamento das músicas Há! Hu! Lahô! e Patrão, prenda o seu gado, ambas da parceria Pixinguinha, Donga e João da Bahiana. Este primeiro registro do Grupo da Guarda Velha na Victor, lançado em dezembro, foi assim anunciado no suplemento do mês: “No suplemento, um disco inédito na fonografia. Ritmos e melodias ainda não conhecidos e que a Victor foi buscar nas suas origens folclóricas fazendo-os executar por um novo e original grupo típico”.
Esse caráter “típico” e “folclórico” parecia ser um anseio do grande público e também da imprensa da época: o jornal Correio da Manhã saudava, em 17 de janeiro de 1932, o caráter “nacional” do conjunto, que tinha em sua formação “instrumentos primitivos como o ‘omelê’, a ‘cuíca’, a ‘cabaça’ e o ‘prato e faca’ que produzem os mais curiosos efeitos musicais” (clique aqui para ler a notícia). Como se vê, a introdução de percussão “típica” (tida como “primitiva”) era considerada uma das novidades do conjunto frente a outras orquestras e seria uma das muitas contribuições de Pixinguinha como arranjador.
O mesmo jornal menciona os integrantes do conjunto: Luís Americano, João Braga e Jonas Aragão (saxofones e clarinetes), Bonfiglio de Oliveira (trompete), João Martins (contrabaixo e bandolim), Wan Tuyl (trombone), Donga (violão, banjo e cavaquinho), Faustino da Conceição (tão-tão e “instrumentos de batuque”) e Adolpho Teixeira (“cabaça, músico e compositor”, segundo o jornal). Esta instrumentação, entretanto, poderia variar de acordo com o gênero musical gravado, conforme se observa pela audição dos discos.
Afora as músicas de caráter rural e de cunho afro-brasileiro, onde Pixinguinha em geral poupa os instrumentos de sopro para usar cordas dedilhadas, a percussão e, eventualmente, a flauta (além das já mencionadas Há! Hu! Lahô! e Patrão, prenda o seu gado, poderíamos citar Vi o pombo gemê e Xô curinga, macumbas de João da Bahiana, e Que querê, “macumba carnavalesca” de Pixinguinha, Donga e João da Baiana), o que caracteriza mais uma vez o Grupo da Guarda Velha é a diversidade de estilos e repertórios.
Das cerca de 90 músicas gravadas pelo Grupo da Guarda Velha, mais da metade é composta de sambas, o que comprova que o gênero realmente se consolida como música nacional no início da década de 1930. Para além disso, é interessante notar a diversidade de sambas gravados nesse período: além dos que eram feitos por compositores da “velha guarda”, ligados à tradição da Pequena África do Rio de Janeiro (cite-se como exemplo Não há nada e Quando der uma hora, de Caninha; Beijo de moça, de João da Bahiana; e Ri melhor quem ri por último, de Donga, integrante da Guarda Velha), havia os compositores “da cidade”, como Ary Barroso (Quando a noite vem chegando, Cabrocha inteligente, entre outros), Lamartine Babo (Passarinho, passarinho) e André Filho (Como eu te amei, E ela não jurou, entre outros).
O “novo” samba do Estácio e de outros morros cariocas recebem os primeiros arranjos de Pixinguinha: compositores como Bide (Fui louco, em parceria com Noel Rosa), Ismael Silva (Adeus, também em parceria com Noel), Bucy Moreira (Pode chorar) e Cartola (Tenho um novo amor, parceria com Noel Rosa e gravação de Carmen Miranda). Ao contrário dos primeiros arranjos orquestrais de sambas do Estácio feito por Simon Bountman, normalmente ainda marcados pelas convenções do maxixe, os arranjos de Pixinguinha serão os primeiros a incorporar a “levada” característica do samba do Estácio à orquestração – isso sem falar na inclusão da percussão, que seria uma das “marcas” do grupo (ouça aqui as músicas do Estácio gravadas pelo Grupo da Guarda Velha).
A marcha ou marchinha carnavalesca será o segundo gênero mais gravado pelo grupo: atrás do samba, era certamente este o gênero mais popular que dominava o período do final do ano até o carnaval, época em que as gravadoras lançavam suas apostas para a festa de Momo. Aqui podemos apontar dois arranjos clássicos de Pixinguinha, sucessos de carnavais de todos os tempos: O teu cabelo não nega e Linda morena, ambas de Lamartine Babo (sendo a primeira em parceria com os irmãos Valença), além de grandes composições de João de Barro, como Trem blindado e Prato fundo (esta em parceria com Noel Rosa).
O repertório gravado pelo Grupo da Guarda Velha se complementa com alguns poucos choros instrumentais – Ainda me recordo e Estou voltando (ambas de Pixinguinha, sendo que esta última seria regravada posteriormente pela Orquestra do Pessoal da Velha Guarda e pela Orquestra Sinter com o nome de Assim é que é) – e por... rumbas! Duas surpreendentes gravações de rumbas de Ernesto Lecuona (Ali Babá) e Moise Simon (Vacunalá), interpretadas pela cantora Diamantes Negros, mostram como este tipo de música já estava circulando pelo Brasil no início da década de 1930, a ponto de o próprio Pixinguinha compor uma “rumba” carioca: a surpreendente Conversa de crioulo, uma mistura de rumba com motivos de partido alto que seria posteriormente regravada pela Orquestra do Pessoal da Velha Guarda na década de 1940 com o título de Conversa fiada.
Finalmente, não podemos deixar de chamar a atenção para a belíssima gravação da quadrilha Esperança, de Anacleto de Medeiros, paradoxalmente talvez o único compositor realmente da “velha guarda” gravada pelo Grupo da Guarda Velha.