ORQUESTRA DIABOS DO CÉU (1933-1944)
Uma das mais importantes orquestras de Pixinguinha, a Diabos do Céu foi também um dos grupos instrumentais mais longevos (com mais de dez anos de atuação) e com maior número de gravações lançadas (cerca de 440) na Discografia de Pixinguinha. Embora não possamos afirmar com a máxima certeza que todos os arranjos das músicas lançadas pela Diabos do Céu sejam de autoria de Pixinguinha, o livro de registros da gravadora Victor credita a ele a maior parte dos arranjos do grupo.
É difícil definir com absoluta precisão o time de músicos que compunha a Orquestra Diabos do Céu, em parte pela falta de registros e em parte devido ao grande tempo de duração do conjunto e às variações de instrumentação de acordo com a gravação. Uma foto publicada no jornal A Noite de 15 de junho de 1933 parece mostrar o que seria a primeira formação do conjunto, já que a notícia afirma que a orquestra se apresentaria “pela primeira vez ao público” naquela data, “em favor da ‘Casa do Garoto’ no Recreio”. O original desta foto encontra-se no Acervo Jacob do Bandolim/MIS-RJ, sob a rubrica “Integrantes da Orquestra Diabos do Céu durante gravação da marcha ‘Isto é lá com Santo Antônio’ na RCA Victor”. O registro do MIS também traz a identificação dos componentes da foto: Adolpho Teixeira Bastos, Faustino da Conceição, Pereira dos Santos, Benedito, João da Bahiana, Nelson Roriz, Francisco Sena, Wanderley, João Martins, Hernani, Pixinguinha e Monteiro. Destes nomes, sabemos que Adolpho Teixeira, Faustino da Conceição e João da Bahiana atuavam como percussionistas, Benedito (sem indicação de sobrenome) era o baterista e João Martins tocava contrabaixo e bandolim (atuando eventualmente como regente e arranjador).
Para além dos músicos que aparecem nas fotos, o pesquisador José Silas Xavier afirma ser lícito supor que alguns dos antigos integrantes do Grupo da Guarda Velha teriam também atuado na Diabos do Céu, dentre eles Luiz Americano, Jonas Aragão e João Braga (saxofones e clarineta), Wan Tuyl (trombone), Bonfiglio de Oliveira (trompete) e Donga (violão, cavaquinho e banjo). Finalmente, o pesquisador Humberto Francheschi relaciona mais alguns possíveis músicos atuantes na orquestra: Vanderlei (trompete), Nelson dos Santos Alves (cavaquinho), Tute (violão), Elísio (piano), Valfrido Silva (bateria), Osvaldo Viana (chocalho).
À parte o nome dos músicos atuantes, o livro de registros da gravadora Victor, uma preciosidade que foi recuperada pelo pesquisador Miguel Ângelo Nirez, permite observar a instrumentação básica usada por Pixinguinha: um ou dois saxofones (sax-alto e sax-tenor) eventualmente trocados por clarinetas, um ou dois trompetes, um trombone, uma tuba ou um contrabaixo, piano, violão, banjo e percussão, esta última normalmente composta por bateria, pandeiro, omelê, cabaça e caixeta. Eventualmente se agregavam outros instrumentos como clarone e violinos.
Em seus mais de dez anos de atuação a Diabos do Céu acompanhou os mais importantes cantores da época, entre os quais Almirante, Alzirinha Camargo, Aracy de Almeida, Carlos Galhardo, Carmen Miranda, Castro Barbosa, Dircinha Batista, Francisco Alves, Gastão Formenti, Linda Batista, Mário Reis, Moreira da Silva, Odete Amaral, Orlando Silva, Patricio Teixeira, Silvio Caldas, entre outros.
Curiosamente, entre as mais de 400 músicas gravadas, há somente sete puramente instrumentais, o que demonstra a perda de espaço deste tipo de gravação já no decorrer da década de 1930. Dentre estas sete, encontramos apenas um choro: Nostalgia de Plutão, de Cícero Teles de Menezes, flautista das primeiras gerações do gênero. As outras seis músicas instrumentais são dedicadas aos frevos pernambucanos, que recebem suas primeiras gravações no país através da Diabos do Céu. Nessa época, nenhuma região do nordeste tinha estúdio de gravação, razão pela qual os gêneros ali criados tinham que ser gravados no Rio de Janeiro. Dessa forma, frevos que depois se tornariam clássicos como Luzia no Frevo, Mexe com tudo e Não há mais vale recebem gravações geniais da orquestra sob a batuta de Pixinguinha.
No que se refere às músicas cantadas, a Diabos do Céu prosseguiria lançando em primeira mão vários clássicos da discografia brasileira. Sucessos de carnaval como Grau Dez (Ary Barroso), Pierrô Apaixonado (Heitor dos Prazeres e Noel Rosa), Pirata (João de Barro e Alberto Ribeiro), Primavera no Rio (João de Barro), Rasguei a minha fantasia, Ride, palhaço (ambas de Lamartine Babo), dentre muitos outros, receberiam a inconfundível marca da “caneta” de arranjador de Pixinguinha. Aliás, a orquestra não se limitaria às marchas de carnaval: novas modalidades de marchas escritas para outras épocas do ano, como os períodos de Natal e festas juninas – sem dúvida uma demanda da indústria fonográfica da época – também se imortalizaram pela Diabos do Céu: Acorda São João (Assis Valente), Balão que muito sobe (Ary Barroso e Osvaldo Santiago), Chegou a hora da fogueira, Isto é lá com Santo Antônio (ambas de Lamartine Babo), Boas festas (Assis Valente), A benção Papai Noel (Alberto Ribeiro), dentre outros.