BENEDICTO LACERDA – Macaé RJ – 14/03/1903 – Rio de Janeiro RJ – 16/02/1958
Grande flautista e líder de conjunto na chamada era de ouro do rádio, iniciou-se musicalmente no Estácio – bairro carioca onde, em meados da década de 1920, o samba passou do sotaque amaxixado para uma cadência mais apropriada aos desfiles de carnaval na rua. Também no Estácio deu-se, em 12 de agosto de 1928, a fundação do bloco Deixa Falar, que entraria para a história como “a primeira escola de samba”, reunindo os grandes compositores locais, como Ismael Silva, Nilton Bastos e Alcebíades Barcellos, o Bide, entre outros. Pois é neste grupo de sambistas que o nome de Benedicto Lacerda aparece pela primeira vez na bibliografia sobre a história da música brasileira, participando do bloco Deixa Falar como tocador de surdo – instrumento de percussão de som grave que teria sido criado por este grupo para ditar o andamento do samba nos desfiles e que, inicialmente, era feito com uma lata de manteiga “encourada”.
Foi na Banda Nova Aurora (da cidade de Macaé) que aprendeu as noções de música que trouxe quando se mudou para o Rio de Janeiro, aos 17 anos, onde estudou flauta com Belarmino Sousa (pai do compositor Ciro de Sousa) e também no Instituto Nacional de Música – hoje Escola de Música da UFRJ. Mais adiante, se tornaria músico da Banda da Polícia Militar e, nas horas vagas, das orquestras de cinema e teatro. Também participou do conjunto Boêmios da Cidade (que chegou a acompanhar a cantora e dançarina norte-americana Josephine Baker em sua passagem pelo Brasil) antes de formar, em 1930, o conjunto Gente do Morro, para tocar samba – na nova cadência, do Estácio – em gravações da Brünswick. Nos 16 fonogramas gravados, quando não acompanham o cantor Ildefonso Norat (sambista do Estácio), quem canta é o próprio Benedicto.
Foi a partir desta experiência que ele criou em 1934 o tipo de conjunto que – no rádio ou nas gravações de discos – serviria de modelo para o acompanhamento musical de choros, sambas, marchinhas e outros gêneros populares. Era o chamado “conjunto regional”, que acompanhava a flauta de Benedicto com dois violões de seis cordas (Meira e Dino – este, a partir de 1957, tocaria violão de sete cordas), um cavaquinho (Canhoto, líder do conjunto a partir de 51) e percussão (Gilson de Freitas, no pandeiro). Além de estabelecer esse tipo de sonoridade que ainda hoje é reconhecida em inúmeras gravações de música popular feitas a partir dos anos 30, atribui-se a Benedicto a sistematização dos ensaios desse tipo de conjunto.
Em meados da década de 1940, Benedicto Lacerda se tornará um personagem importante na trajetória de Pixinguinha, que aos poucos se distanciava da flauta e passava por sérias dificuldades financeiras, correndo o risco de perder a casa onde vivia com a família. Os recursos necessários para evitar o pior são obtidos por Benedicto com a editora Irmãos Vitale, que garante um adiantamento em troca de 25 discos que seriam gravados pela nova dupla (Benedicto Lacerda na flauta, Pixinguinha no saxofone tenor) na RCA Victor. O acordo – que no fim das contas resultará em 17 discos – prevê que o nome o flautista passará a figurar como parceiro de Pixinguinha na composição dos choros editados e gravados – mesmo aqueles anteriores ao acordo.
A dupla será também a principal atração do programa musical de auditório O pessoal da Velha Guarda, produzido e apresentado por Almirante na Rádio Tupi, semanalmente, entre 1947 e 52. Atuando como diretor musical do programa, Pixinguinha não só retoma sua atividade de arranjador, como a própria carreira de compositor e instrumentista, que a partir desse momento ganha novo fôlego e rende novos discos.
Morto precocemente (aos 55 anos incompletos), numa terça-feira de carnaval, Benedicto Lacerda figura também como compositor de inúmeros sucessos carnavalescos, como as marchinhas A jardineira (com Humberto Porto) e Eva querida (com Luís Vassalo) e os sambas A Lapa (com Herivelto Martins), Falta um zero no meu ordenado (com Ary Barroso), Adeus, mocidade (com Roberto Martins), Coitado do Edgard (com Haroldo Lobo), Despedida de Mangueira (com Aldo Cabral) e Fica doido varrido (com Eratóstenes Frazão), entre muitos outros.